sexta-feira, 13 de março de 2015

APÓS SUPERAR POLIOMIELITE, VELOCISTA WILMA RUDOLPH CONQUISTA TRES MEDALHAS DE OURO NOS JOOGOS OLÍMPICOS DE 1960


OPERA MUNDI





Na infância, a norte-americana ouviu de um médico que nunca iria andar; aos 20 anos, atleta levou o ouro em Roma nas provas de 100m, 200m e 4x100m e promoveu integração em sua cidade natal nos EUA divididos por segregação racial


Quando o pai-fundador dos modernos Jogos Olímpicos, Pierre de Coubertin, afirmou que o paradigma do movimento era “exaltar e combinar, num todo equilibrado, as qualidades do corpo, da mente e da vontade” não poderia prever o surgimento nos Jogos Olímpicos de Melbourne em 1956 de uma estudante de 16 anos que encarnasse à perfeição esses ideais.
Uma medalha de bronze no revezamento feminino de 4x100 metros, embora bastante admirável, não era um símbolo ortodoxo da grandeza do atletismo. Para uma adolescente, em seus primeiros Jogos, dizia mais sobre promessa do que conquista. No entanto, para Wilma Rudolph – que recebera uma prolongada licença para se ausentar do colégio em que estudava em Clarksville, Tennessee, para viajar 15 mil quilômetros e competir – se fosse apenas esta medalha o auge de sua carreira, ainda assim representaria uma das mais notáveis façanhas na rica história da gesta atlética.
O extraordinário não era que tenha praticado atletismo apenas cinco anos antes de subir ao pódio com suas colegas em Melbourne e sim que só foi capaz de iniciá-lo cinco anos antes. Em 1944, aos quatro anos de idade, contraiu poliomielite e caminhava com aparelho ortopédico até completar nove anos. Nos dois anos seguintes teve de calçar um sapato ortopédico. Porém era tal a dedicação de sua família e o seu próprio espírito indomável, exuberância física e determinação de se juntar às irmãs e amigas nas brincadeiras, que aos 11 anos provou à mãe que poderia crescer sem ajuda. Nove anos depois de se desfazer daquele sapato, havia conquistado quatro medalhas olímpicas, entre as quais três de ouro, e registrado dois recordes mundiais. Mesmo dentro dos elevados padrões de atletas que superaram formidáveis adversidades, a história de Rudolph é única.
Wilma Glodean Rudolph nasceu prematura, pesando apenas dois quilos em 1940, em St Bethlehem, Tennessee, a vigésima de 22 filhos de seu pai Ed e a sexta de oito filhos de sua mãe Blanche. O pai era ferroviário e a mãe trabalhava como criada de famílias brancas ainda na época da segregação racial. Wilma foi criada e morou numa casa de madeira na parte da cidade destinada a pessoas negras. Em sua autobiografia escreveu mais sobre o ambiente caloroso do que sobre a pobreza, porém ressaltou que sua mãe usava sacos de farinha para confeccionar vestidos para as filhas.
Quando sobreveio o impacto da pólio, sua mãe não queria aceitar o diagnóstico do médico: “O doutor disse que eu nunca mais iria andar”, escreveu Wilma. “Minha mãe disse que eu iria andar e eu acreditava em minha mãe”. Achar um hospital disposto a tratar uma criança negra era problemático. O Hospital Meharry para negros da Fisk University em Nashville era sua única esperança, mas ficava a 80 quilômetros de Clarksville, onde moravam. Blanche levava Wilma duas vezes por semana de ônibus para a terapia de água e calor, até que ela conseguiu caminhar com a ajuda de um aparelho ortopédico de metal em sua perna esquerda. Blanche e a filha fizeram essa jornada de ida e volta mais de 200 vezes ao longo de dois anos, sentadas no fundo do ônibus da companhia Greyhound, único lugar permitido para pessoas negras.
Reprodução / YouTube


Wilma Rudolph no pódio para receber a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960
Depois de se livrar do aparelho ortopédico e do sapato corretivo, aos 12 anos Wilma já desafiava os meninos em corridas e saltos. Foi incorporada à equipe de basquete do colégio em que estudava por insistência do pai. Após dois anos de banco, impressionou o treinador, que a apelidou de “mosquito”. “Você é magra, rápida, acerta o alvo e está em toda parte”, disse.
Quando o treinador de atletismo da Universidade Estadual Agrícola e Industrial, Ed Temple, decidiu montar uma equipe, este recorreu ao time de basquete para os primeiros recrutamentos. Na temporada de estreia, Wilma manteve-se invicta em 20 corridas nas provas de 50, 75, 100, 200 metros e no revezamento de 4x100. Temple ficou impressionado e a convidou para integrar a equipe de atletismo da universidade, e a incentivou a participar das eliminatórias norte-americanas para os Jogos de Melbourne de 1956. Wilma foi selecionada para a prova do revezamento 4x100, ao lado de Mae Faggs, Willye White, Margaret Matthews e Isabelle Daniels.
Em Melbourne foi eliminada na segunda rodada das séries dos 200 metros, porém juntou-se a Daniels, Faggs e Matthews para o revezamento para ganhar o bronze, atrás da Austrália e da Grã-Bretanha. O quarteto dos Estados Unidos igualou o recorde mundial de 44,9 segundos; no entanto, as australianas, ancoradas na campeã olímpica dos 100 e 200 metros, Betty Cuthbert, marcaram 44,5 segundos.
De volta a casa, Rudolph mostrou às colegas de escola sua medalha de bronze: “Todas queriam tocá-la e ver como era”, contou ao Chicago Tribune. "Quando voltou às minhas mãos, estava cheia de impressões digitais e tentei lustrá-la. Descobri que não se pode lustrar o bronze. Foi então que decidi: nos próximos Jogos vou atrás do ouro”.





Aos 18 anos ficou grávida de sua primeira filha, Yolanda, e perdeu uma temporada de competições. Yolanda acabou sendo cuidada pelos avós, Ed e Blanche, em Clarksville, o que permitiu a Wilma dedicar-se aos treinos e a frequentar a Universidade Estadual do Tennessee, pois ambicionava adquirir qualificação como professora.
O técnico Temple, que não admitia mulheres com filhos em sua equipe, abriu uma exceção para Wilma. Ele costumava punir atletas que chegassem atrasadas aos treinos fazendo-as correr uma volta na pista por cada minuto de atraso. Wilma chegou certa vez a dar 30 voltas e foi alertada que não haveria mais contemplações. Componente de uma equipe talentosa, Wilma brilhava apenas intermitentemente. Todavia, à medida que atingia a idade adulta, sua compleição física aumentou dos 41 quilos aos 16 anos em Melbourne para 59 quilos quatro anos mais tarde nos Jogos Olímpicos de Roma.
Temple fora indicado como técnico da equipe feminina de atletismo para os Jogos de Roma em 1960, mas só iria assumi-la após as eliminatórias norte-americanas, realizadas na Universidade Cristã do Texas. Durante a competição promovida pela União Atlética Amadora Nacional em Corpus Christi, Texas, poucas semanas antes das eliminatórias, o motorista do ônibus recusou-se a levar a equipe integrada por atletas brancas e negras ao estádio. O motorista foi substituído e elas chegaram a tempo para a competição. Wilma classificou-se para as eliminatórias em três provas, correndo os 200 metros em 22,9 segundos, um novo recorde mundial. Em Fort Worth, na Universidade do Texas, em agosto de 1960, venceu tanto os 100 quanto os 200 metros, classificando-se para os Jogos de Roma.
As atletas treinaram durante três semanas na Universidade de Kansas, voaram para Nova York onde receberam o uniforme olímpico e de lá para Roma com 15 dias de antecedência da cerimônia de inauguração para os preparativos finais. No dia anterior à primeira série dos 100 metros, ao trotar pelo gramado de aquecimento, tropeçou num buraco, contundindo o tornozelo. Recebeu tratamento com gelo e bandagem protetora, ficando em condições para ganhar sua série com 11,69 segundos, as quartas de final com 11,70 e na semifinal igualou o recorde mundial com 11,30 segundos.
A principal dúvida para a final centrava-se em sua única fraqueza, dada a sua altura de 1,80m: “Tinha sempre a pior saída entre todas as velocistas. Eu era a mais alta e estava sempre atrás nos primeiros 30 a 40 metros. No restante do percurso eu conseguia acelerar e superar as rivais. Mas este era um problema”.
Na final, a partir da marca dos 30 metros arrancou com suas largas passadas para a linha de chegada, derrotando a britânica Dorothy Hyman, de 19 anos, por uma margem de três metros. Registrou o tempo de 11 segundos cravados, porém o vento de 2,75 m/s evitou que estabelecesse novo recorde mundial.
A multidão no Stadio Olimpico irrompeu em coro "Vilma! Vilma!" quando cumpria sua volta olímpica. Ao se postar no topo do pódio para receber sua primeira medalha de ouro, vestia um chapéu que o comentarista Christopher Brasher do Observer descreveu como “uma maravilhosa confecção de palha adornada por fitas, como se estivesse descendo de um velho navio a vapor que singrava as águas do rio Mississippi.” Após o hino nacional, atirou o chapéu para a multidão e o fez novamente quando conquistou o ouro nos 200 metros com 24,0 segundos e no revezamento 4x100 com 44,5 segundos.
Reprodução / YouTube


Wilma Rudolph e as três medalhas de ouro que conquistou nas Olimpíadas de Roma


Venceu os 200 metros com margem ainda maior – tão vasta que a câmera colocada na linha de chegada não conseguiu captar nenhuma das rivais. Partindo na raia 1 e tendo estabelecido um novo recorde olímpico de 23,2 segundos na semifinal, para ela foi uma corrida um tanto lenta de 24 segundos.
Sua valentia ficou mais evidente no revezamento. A equipe norte-americana havia estabelecido um novo recorde mundial na semifinal. Na final, os Estados Unidos lideravam facilmente a prova quando a terceira mulher, Lucinda Williams, tinha de passar o bastão para Wilma que encerrava o quarteto. Por um átimo pareceu inevitável que o bastão caísse ao chão. Wilma conseguiu agarrá-lo, mas perdeu ritmo e frações de segundo e teve de batalhar para reconquistar a liderança. Com suas longas pernas produzindo passadas fluidas, ganhou terreno, lançando seu tronco à frente na linha de chegada. A fotografia determinou que a equipe norte-americana ganhara das alemãs por apenas 0,28 décimos.
Os italianos a chamaram de ‘La Gazzella Negra’; os franceses de ‘La Perle Noire’; os ingleses de ‘O Tornado do Tennessee’.
Exausta após uma longa sequência de compromissos, sob o clamor de multidões que a ovacionaram de Londres a Berlim, Rudolph voltou para casa em Clarksville em outubro de 1960. Por sua insistência, tanto a parada que a recebeu quanto o banquete de gala foram os primeiros eventos da história da cidade em que houve plena integração entre pessoas negras e brancas.
Wilma Rudolph retirou-se das pistas em 1963, aos 23 anos, para abraçar a profissão de professora. Faleceu em 1994, aos 54 anos de câncer no cérebro. Nenhum campeão olímpico teve de lutar tanto por suas conquistas.

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